terça-feira, 7 de junho de 2011

Sentada num banco de jardim, com vista para o Tejo, à espera que as horas passem, lembrei-me de uma cena, passada neste mesmo jardim, aqui há uns meses. Parei para beber café, no sítio de sempre. Caía uma chuva miudinha. Contornei o quiosque e deparei-me com um velho, de uns cento e cinquenta anos, muito digno na sua gabardine e chapéu, que alimentava pardais. Ao passar por ele os pardais voaram uns metros. Virei-me para o velho e disse 'Desculpe, espantei os seus passarinhos'. O velho olhou-me no fundo dos olhos e respondeu-me, com um misto de surpresa pela minha ignorância e verdadeira simplicidade, sem sombra do paternalismo tão caro a certas pessoas de idade perante os jovens, 'Os pardais não são meus. Só pertencem a eles próprios'. Passado a escrito não parece uma história particularmente impactante, mas a mim, naquele momento, pela personagem, pela chuva que caía, pela maneira como o velho me olhou, pareceu-me que tinha entrado num romance de Saramago. E fugi dali a correr, sem olhar para trás.

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