sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um dia destes calhou em conversa confessar, entre o embaraço e o pesar, que sou incapaz de sentir ciúmes. A pessoa em questão mostrou surpresa e agrado, eu sinto espanto e desalento. O ciúme não é afinal uma coisa boa (na medida certa, evidentemente)? Depois fiquei a pensar e comecei a andar para trás, tentando perceber a raiz da questão. E vieram-me à memória episódios passados tinha eu cinco anos. Quando soube que ia ter uma mana fiquei esfuziante de alegria. Lembro-me de pensar que o bebé nascia e passado pouco tempo seria do meu tamanho e podia brincar comigo e com os meus brinquedos. E esta foi toda a importância que dei ao acontecido. Mas rapidamente os adultos à minha volta começaram a conspirar contra mim. Diga-se em abono da verdade que, passada a alegria inicial, pouca importância dei ao facto. Sempre estive mais entretida com o meu mundinho interior do que com quaisquer circunstâncias externas. Mas os adultos pareciam não pensar assim. A minha avó, uma pedagoga como já não se fazem, agitava o indicador à frente do meu nariz e dizia, com uma ameaça velada na voz, "Não vais ter ciúmes do bebé. Não podes ter ciúmes do bebé. Não vais ter ciúmes do bebé!". Religiosamente, várias vezes por dia, com a pontualidade de uma colher de xarope apontada directamente às goelas. Se na altura isto não fazia muito sentido, tornou-se rapidamente um conceito temido. A tortura atingia o seu pico quando encontrávamos as outras senhoras na praça, no lugar das hortaliças, ou no Castelo, onde passeávamos todas as manhãs. A minha avó contava a novidade e as outras mães e avós que por ali andavam com os seus rebentos juntavam as cabeças e começavam a cochichar. E era então que a minha avó elevava a voz umas quatro oitavas (para se certificar que era ouvida desde aqui até à Trafaria) e olhava para mim de esguelha enquanto dizia "A nossa Ninazinha não tem ciúmes nenhuns do bebé, POIS NÃO?". Quando se calava os vidros à nossa volta tinham-se estilhaçado, os alarmes dos carros tinham disparado, e as crianças à minha volta tinham os olhos esbugalhados, os cabelos em pé e as bocas escancaradas, com um fio de baba a escorrer (enquanto as suas mamãs e avós acenavam aprovadoramente). Era assim que se educavam os petizes, those days. E pronto, matou-se o bicho, acabou-se com a peçonha. Palavra extirpada do meu dicionário pessoal, em todas as suas vertentes e ambivalências. Forever and ever. Diga-se, como nota de rodapé desta bonita estória, que eu até tinha todas as razões para ter ciúmes do bebé. Até aí filha única, menina do papá, neta mais nova e única menina. E, ainda pior que isso, uma semana antes do bebé nascer parti um braço e tive de engolir as lágrimas e puxar-lhe pela saia durante dois dias (DOIS DIAS), até a minha distraída e paquidérmica mamã finalmente olhar para baixo e perceber que se calhar o melhor era levar-me ao hospital (sem grandes pressas, claro, já que esperámos dois dias vamos jantar primeiro). Mas o facto é que não tinha (e se por acaso, o que é expectável e até, atrevo-me a dizê-lo, desejável (mais uma vez na medida certa) viesse a ter não seria nenhuma tragédia) pelo que tudo o que estes educadores patetas conseguiram foi boicotar a minha vida sentimental posterior. Obrigadinha aí!
De maneiras que se penso no homem que amo com outra, em vez de ciúmes dá-me tusa, mas acerca das razões de tal aberração não quero nem sequer começar a pensar nelas...